A Mulher de Branco de Wilkie Collins

August 30, 2006 at 12:02 pm (Livros/BD/revistas)

No período fértil da literatura Vitoriana, muitos outros autores de valor podem ser encontrados para além do escritor que os eclipsa a todos em estilo e caracterização, Charles Dickens. Novas técnicas literárias eram experimentadas, algumas sem produzir resultados dignos de nota, outras ganharam um tal sucesso e popularidade que se tornavam a conversa da nação.

Expectativas tornaram-se altas quando Wilkie Collins começou a serialização em folhetim do seu romance The Woman in White em 1859. É um romance fascinante por muitas razões. Ao dar lugar ao relato de vários protagonistas em que cada um relata a sua versão dos acontecimentos, torna-se papel do leitor desvendar onde reside a falsidade e onde reside a verdade de cada história contada.

Nesse sentido, poderíamos classificar A Mulher de Branco como um romance epistolar, mas também um romance de mistério, ou então, o termo que recebeu à época, romance de sensação.

Começa com o relato de Walter Hartright, um pintor, e o extraordinário encontro nocturno que teve com uma misteriosa mulher de branco em Londres. Prestando-lhe auxílio e ciente de que a mulher em questão está a ser vítima de perseguição, descobre ser uma foragida de um asilo. É com a memória ainda fresca desse encontro que Hartright parte no dia seguinte de Londres para servir como perceptor durante alguns meses, numa casa rica pertencente a um senhor com duas sobrinhas.

WC

O destino prega-lhe uma partida ao pô-lo no caminho de ambas as meio-irmãs. A mais velha, Marian Halcombe, encarna todas as qualidades de uma lady à frente do seu tempo, e se lhe faltam atributos físicos (o narrador diz que o seu rosto é feio) ela compensa com a sua inteligência, determinação, perspicácia e afecto pela sua irmã mais nova, Laura Fairlie.

Laura é o oposto. Inocente, uma criança em muitos aspectos e, todavia, a mulher angelical por excelência, a sua beleza fulmina Walter que fica irremediavelmente perdido de amores. Semana a semana, um amor proibido e nunca declarado cresce entre os dois jovens, mas Laura é uma herdeira rica e há muitos anos se encontra noiva de um barão, Sir Percival Glyde, tornando a concretização do seu amor impossível. Walter vê-se então forçado a abandonar a casa, para sua grande mágoa, mantendo amizade com ambas as irmãs, em especial com Marian que vê nele honra e bondade.

Até este momento, a narrativa não se distingue por nenhuma característica espcial, aparentando ser uma típica história romântica onde desabrocha um amor condenado à partida. Mas não nos podemos esquecer da mulher de branco. Walter vê-se confrontado com uma estranha coincidência; a mulher fugida do asilo mencionara o nome de uma senhora que se revela ser a mãe de Laura Fairlie e Marian Halcombe. Confidenciando a Marian o encontro nocturno, ambos tentam descobrir a identidade da mulher e a razão por detrás da sua fuga através de correspondência antiga. A juntar a isto, existe o estranho facto de haver uma notável semelhança física entre Anne Catherick, a louca, e Laura Fairlie.

É então que a iminência do casamento de Laura com Sir Percival é ameaçado por uma carta anónima em que é revelado o mau carácter do futuro marido e posto a nu o seu coração negro. Com a sua reputação posta em causa, Sir Percival é forçado a provar que detém nada mais do que boas intenções e reafirma a sua intenção em desposar Laura. Suspeita na mente de Marian nunca é realmente extinguida e é com um coração pesado que vê o casamento a ser finalmente consumado.

Uma nova etapa do romance se inicia e que irá introduzir uma personagem absolutamente trepidante, ambígua e fascinante, o italiano Conde Fosco. Da minha experiência de romances vitorianos, e já li a minha quota parte, Fosco é uma das melhores criações literárias deste tempo. Marian leva páginas e páginas do seu diário na construção da personalidade do Conde e, de início, sente-se atraída pelo seu carisma. A excentricidade do italiano, a intensidade do seu olhar, a força da sua eloquência, a sua inteligência levam-na a considerar o Conde como seu igual.

O casamento entre Sir Glyde e Laura rapidamente degrada-se e, passo a passo, a mansão cede a uma atmosfera de constante intriga e conspiração, ameaçando chegar a vias de facto entre Marian e Sir Percival. A tensão acumulada está prestes a explodir e as aparências só se mantém graças à intervenção do Conde do qual desconhecemos os propósitos. A sua ambiguidade desconcerta as heroínas, mas não faltará muito para que sejam postos em marcha eventos que alterarão radicalmente as vidas de Laura e Marian.

Embora o centro das atenções seja focado na conspiração maquiavélica que ameaça as personagens do romance, Collins dispõe-se a denunciar a condição da mulher vitoriana, forçada a sacrificar a sua liberdade e bens a favor do marido que poderia dispor da sua mulher e propriedades da melhor forma que entendesse. Marian refere as leis de Inglaterra que protegem as mulheres da violência, mas essas mesmas leis são cegas perante os casamentos de conveniência que muitas vezes conduzem à delapidação da fortuna de uma mulher pelo marido, o roubo flagrante da sua herança, mas mais do que isso, da sua própria identidade confinada ao silêncio das quatro paredes e a uma degradação espiritual, mais do que física, que clama prematuramente as vidas dessas mulheres.

Anne Catherick é fechada num asilo, mas Laura não está em melhor condições. Ambas espelham-se uma à outra no seu infortúnio, mas não irão partilhar o mesmo destino. Não quero estragar as muitas surpresas do romance, e basta dizer que por altura da sua publicação serializada, tornou-se um monstruoso sucesso que causou filas de espera pela compra do próximo periódico. A nação seguia ávida os infortúnios, tragédias e perfídia que saltavam de cada página com vivacidade de descrição e faziam o público temer pelas vidas das personagens.

O Conde Fosco é também uma das razões para o dinamismo e excitação que impregna o romance; um estrangeiro com um misterioso passado, dado a sentimentalismos e a uma profundidade de emoções, assume também uma inteligência diabólica e um maquiavelismo impressionantes. Dizem que nem todos os vilões vestem-se de preto.

O romance foi adaptado pela BBC para uma série de grande qualidade e que se mantém fiel ao suspense e mistério de uma forma que chega a superar a estrutura do romance, embora cometa várias liberdades, mas ainda assim é fiel ao espírito do livro.

O musical de Andrew Lloyd Webber é também o motivo porque este romance não foi esquecido entre outros tantos. Ainda falarei de outro romance vitoriano publicado anos depois do livro de Wilkie Collins que partilha muitas afinidades com The Woman in White, mas infelizmente foi remetido para o esquecimento por muitos – Uncle Silas de Sheridan Le Fanu.

Permalink 6 Comments

Dark waters

August 27, 2006 at 10:34 am (Strange Land)

Há muitos anos, numa das minhas viagens ao Líbano, viajei de carro pela costa mediterrânica. A viagem começou em Beirute e seguimos em direcção ao Norte, ao longo da costa. Fizemos várias paragens para apreciar as praias de Jounie, um dos principais centros das comunidades cristãs. A água azul límpida e o branco da areia fazem parte das minhas memórias desta viagem. Existe uma luz especial a banhar as baías do Mediterrâneo, a lembrar a luz do sol a incidir nas águas do rio de Tejo ao fim de uma tarde de verão.

Continuámos a seguir o trajecto de vários quilómetros que nos levaria a Byblos, Jbail em árabe. Byblos é uma pequena cidade costeira, famosa pela sua História que vive ainda nas ruínas e muralhas que durante muitos séculos permaneceram como testemunhos de civilizações antigas. Debaixo do solo de Byblos, acumulam-se as várias identidades históricas que viveram e extinguiram-se no Ocidente e Oriente, desde o tempo do Neolítico.

Lembro-me de ter entrado no castelo do séc. XII que ficou do tempo das Crusadas. Mais do que o castelo, foi a beleza da paisagem vista do topo das muralhas que tornou toda essa visão tão especial. A imagem acima não reproduz por inteiro aura que Byblos impõe sobre os seus visitantes. Nos labirintos da cidade costeira que nada tem de simples, caminhamos por entre os souks, os cafés, as bancas de vendedores onde estão expostos souvenirs turísticos ou arguilés.O recente conflito israelo-libanês não chegou a Byblos. A cidade foi intocada pelos bombardeamentos, mas a guerra encontra muitas maneiras de envenenar cidades e povos e não pára até ver destruição consumada. Reservas de petróleo atingidas pelos israelitas provocaram um derrame durante o conflito. E então o veneno negro infiltrou-se nas águas e areias de Byblos, desfigurando as suas paisagens. É mais uma triste pedra de história a amontoar-se ao seu legado milenar.

Mas Byblos sobrevive ao longo dos séculos, parte de uma identidade cultural que aprendeu a viver em constante ameaça de extinção. A história de Byblos é a história de Líbano; os ossos da terra mantém-se firmes e não se quebram tão facilmente, mesmo que à superfície tudo pereça.

As praias serão eventualmente limpas e o turismo irá regressar, primeiro a conta-gotas, depois, quando a memória deste conflito se desvanecer, regressa à normalidade. Não deverá levar muito tempo para sarar as feridas.

O fim do conflito trouxe contigo uma trégua frágil, mas nenhum sentimento de derrota para os libaneses. Agora, a iminência da chegada da força das Nações Unidas poderá trazer uma garantia de paz ao sul e prevenir novas hostilidades. Resta esperar e assistir a uma nova esperança a erguer-se dos escombros.

Permalink 1 Comment

A Sombra do Torturador de Gene Wolfe

August 26, 2006 at 11:23 am (Livros/BD/revistas)

Gene Wolfe é para muitos considerado um dos maiores escritores de língua inglesa vivos, independentemente da questão dos géneros. A sua série The Book of the New Sun é geralmente considerada o seu maior contributo para a literatura. O primeiro de uma série de cinco livros, The Shadow of the Torturer (1980), apresenta-nos o mundo de Urth num futuro distante, um mundo que enfrenta a morte lenta e inevitável do sol (reminiscente da série The Dying Earth de Jack Vance que Gene Wolfe reconhece como influência no seu trabalho).

É Severian, um aprendiz pertencente à ordem dos Torturadores, que nos conduz pela mão nesta narrativa. Desde o início, sentimo-nos gradualmente imersos nas suas memórias e sabemos que num futuro distante Severian recorda os eventos do passado. Este artifício, sobejamente utilizado em muitos romances, adquire contornos singulares na obra de Gene Wolfe, na medida em que raramente temos conhecimento de uma personagem tão consciente de si própria, tão agudamente sensível às impressões do mundo exterior, propiciando uma narrativa extraordinariamente contaminada pelas reflexões do seu narrador.

GW

Na isolação da sua ordem, rodeado por ruínas milenares e o peso histórico das tradições, Severian é confrontado com um evento que muda os seus propósitos de vida e o inicia no caminho de rebelião secreta contra a sua ordem. Ao auxiliar um rebelde, Vodalus, compromete-se a servir um novo poder e trair a regência do Autocrata.

Mas ele enfrenta o maior teste de todos quando, um dia, a Ordem recebe a prisioneira Thecla, uma nobre acusada de traição e conspiração. Envolvida numa complexa teia política, só lhe resta na escuridão da sua cela a companhia e as palavras de Severian. A esperança de um dia ser de novo livre desabrocha e murcha muitas vezes, até finalmente ser despedaçada. E então Severian comete o maior pecado de todos como torturador – mostra compaixão.

Forçado ao exílio, inicia uma longa jornada, povoada de acontecimentos extraordinários e tão surreais como a sua própria narrativa. A prosa poética, e atrevo-me a dizer metafísica, de Gene Wolfe invade cada página e cada memória de Severian, enfeitiçando o leitor, transportado para uma nova realidade nunca linear e fértil em significados.

Existem passagens do livro em que Severian deixa-se levar pela própria natureza irreal e etérea do seu relato. O jardim botânico dá lugar a uma série de acontecimentos que não seguem qualquer fio condutor, em que as personagens, sem um rumo aparente, limitam-se a ser absorvidas pela bizarra atmosfera dos jardins.

E no meio disto tudo, lembramo-nos sempre de que o mundo do aprendiz está a morrer, um facto raramente mencionado, mas subtilmente aludido na descrição dos contrastes de cores e nas estrelas presentes quando ainda é dia, pormenores que normalmente não teriam impacto, mas graças à memória prodigiosa de Severian, adquirem contornos determinantes.

Mais do que uma história de fantasia épica, estamos frente a frente com um escritor de grandes capacidades estilísticas que expõe na sua obra um mundo fascinante e digno de ser explorado, dando relevo a uma personagem intemporal considerada já uma das melhores criações no género fantástico.

Não encontraremos o tipo de fantasia que habitualmente invade as prateleiras incluído neste livro, e no entanto, a sua narrativa também nos fala sobre amor, traição, paixão, a luta pela sobrevivência num mundo duro e cruel, mas de uma forma tão profunda e nostálgica que não resta outra alternativa ao leitor perplexo senão confiar em Severian e permitir que a sua figura negra e atormentada nos guie até ao fim da sua história.

A leitura de A Sombra do Torturador (vencedor do World Fantasy Award em 1981) deve ser seguida pela leitura do 2º livro – A Garra do Concilador. Existem edições portuguesas publicadas pela Europa-América, na colecção Nébula, mas recomenda-se a edição na língua original da Fantasy Masterworks que inclui ambos os livros num só volume – Shadow and Claw.

Permalink 1 Comment

My Neighbour Totoro

August 22, 2006 at 4:00 pm (Cinema e TV)

Tenho tido a possibilidade de revisitar alguns dos mais antigos filmes de Hayao Miyazaki. Se é certo que alcançou definitivamente sucesso internacional com Princess Mononoke, até essa data tinha já efectuado um percurso longo e experiente em animação que ofereceu ao mundo as primeiras visões do seu talento criativo.

My Neighbour TotoroTonari no Totoro (1988) – está entre as primeiras das suas animações longas e será talvez a mais pessoal e autobiográfica. Satsuki e Mei são duas irmãs que se mudaram para uma casa no campo com o pai de modo a poderem estar perto da mãe em convalescença no hospital. Desde os primeiros minutos da abertura que é a visão infantil de Satsuki e Mei que domina a narrativa; a alegria vibrante que transmitem por toda a nova casa, supostamente assombrada por espíritos, a adaptação ao novo ambiente rural, o conhecimento que travam com os vizinhos, é descrito estritamente da perspectiva das crianças.

Satsuki, como a mais velha, mas ela própria ainda uma criança consciente de novas responsabilidades com a ausência da mãe, cuida da irmã mais nova de quatro anos, Mei, uma força de natureza irrequieta e selvagem. Um dia, enquanto Satsuki estava ausente na escola e o pai em casa imerso no trabalho, Mei aventura-se para longe do jardim da casa até cair, qual Alice na toca do coelho, no mundo dos espíritos da floresta. Com a sua inocência e admiração, ela faz amizade com Totoro, uma estranha criatura que instintivamente identificamos como o guardião da floresta.

Totoro

Quando Mei volta para a família e conta as suas aventuras, em vez de ser recebida com incredulidade, o pai e a irmã admitem que Mei terá encontrado o guardiao da floresta, encarado como um sinal de boa ventura. É a relação entre as duas irmãs que forma o coração da história. A inevitável proximidade entre ambas perante a doença prolongada da mãe, os fortes laços afectivos que as prendem ao pai, a alegria inocente que partilham com Totoro nas brincadeiras são o retrato mais puro que já me foi dado ver do amor em família.

Quando más notícias ameaçam a felicidade e a harmonia reinante na casa, ambas as crianças, demasiado novas para saberem lidar com a dor e a preocupação, perdem-se uma da outra. A angústia da separação vivida por Satsuki é fortemente sentida no momento em que apela ao auxílio de Totoro. E o que seria de Mei e Satsuki sem a sua influência benévola?

Afastando-se por completo das animações de envergadura épica e a uma escala grandiosa, My Neighbour Totoro é um tocante retrato das relações familiares não só perante a adversidade, mas testemunho de toda a ternura e afecto que une uma família.

Miyazaki admite que a história foi inspirada suas próprias experiências da sua infância, forçado a longos períodos de separação da mãe, ausente por motivos de doença. É impossível ser indiferente à sensibilidade de Miyazaki na descrição de Mei e Satsuki ou à sua apologia da Natureza como o lugar de realização do ser humano. Totoro é tão inocente como as irmãs, tão brincalhão como elas; o momento na paragem de autocarro é de uma surrealidade que chega a lembrar muitas das cenas presentes em A Viagem de Chihiro, mas não podemos deixar de nos deliciar com o divertimento e espanto que inspira nas crianças.

Miyazaki reconhece a necessidade de crescer e a dor que isso implica, mas por uns breves instantes, ele deposita nas irmãs todo o seu desejo em preservar o universo das crianças em toda a sua inocência, alegria e pureza.

É curioso notar várias homenagens a Alice no País das Maravilhas ao longo da narrativa, como o gato-autocarro tão reminiscente do Cheshire Cat ou a queda de Mei numa toca como forma de entrar no mundo de Totoro,o que denota um padrão detectado ao longo de muitos dos animes de Miyazaki, o facto de transpor muitas influências literárias para as suas histórias. Mas Totoro é exclusivamente um produto da sua imaginação, e actualmente o símbolo de marca que identifica todas as animações sob chancela dos estúdios Ghibli.

Acima de tudo, Totoro marca presença numa obra-prima tão fresca actualmente como no dia em que foi criada.

Permalink 9 Comments

Começa a compor-se The Golden Compass…

August 18, 2006 at 9:01 pm (Cinema e TV)

Tenho acompanhado as notícias relativas à produção do filme de The Golden Compass, o primeiro livro da trilogia His Dark Materials de Phillip Pullman. Sobre este livro do qual sou admiradora, escrevi algumas palavras no site da Épica.

O realizador será o Chris Weitz (About a Boy), talvez não o mais experiente cineasta que se poderia desejar para este filme mas a quem se concede o benefício da dúvida. Relativamente ao casting, tem vindo a ser composto aos poucos.

A grande estrela, Lyra Belacqua, será interpretada por Dakota Blue Richards, da qual ainda não circulam fotos, tendo sido a felizarda escolhida num casting ao qual concorreram milhares de adolescentes.

A enigmática e bela Mrs. Coulter será interpretada por Nicole Kidman, diva que dispensa apresentações. Poderíamos jurar que Pullman escreveu a personagem de Marisa Coulter a pensar em Kidman.

Kidman

A rainha das bruxas Serafina Pekkala será Eva Green cuja beleza agraciou Kingdom of Heaven de Ridley Scott.

EvaGreen

A voz de Iorek Byrnison será em princípio a de Ian McShane, mais conhecido como Al Swearingen da série Deadwood.

E pensam os fãs para os seus botões, e Lord Asriel? Quem foi escolhido para a personagem de Lord Asriel, tão crucial para o desenvolvimento da trama? Antes de mais, quem leu os livros de Pullman sabe como se impunha que Lord Asriel fosse uma figura extremamente carismática e elegante, com forte presença de ecrã, ambíguo e um lado oculto tenebroso, imprevisível nas emoções e demonstração de sentimentos, em suma, um homem capaz de desafiar todos os poderes do céu e terra.

O que não é compreensível é como foram escolher um canastrão de primeira como o Daniel Craig. Mas por obra de quem Craig passou a ser um leading man? Os estúdios ainda não aprenderam a lição com o intenso desagrado com que a escolha de Craig como o novo Bond foi recebida por milhares e milhares de fãs do franchise? E curiosamente, Asriel não está assim tão distante da figura de James Bond em certos aspectos.

Craig

Craig tem o perfil certo para papéis secundários como o que desempenhou e muito bem em Munique de Steven Spielberg. É um actor indicado para papéis aberrantes, distorcidos, singulares, esquizofrénicos.

Desilusão nem começa por descrever o que sinto por esta escolha. Pullman queria o Jason Isaacs, ora aí teria sido uma escolha interessante. Pena que a vontade do autor não foi respeitada neste aspecto. Enfim, surpreendam-me, surpreendam-me!

Permalink 2 Comments

The Fountain

August 17, 2006 at 10:40 am (Cinema e TV, Livros/BD/revistas)

fountain

Um olhar à imagem acima revela emoções a que não se é facilmente imune, nem se deseja ser. É inspiradora no modo como o homem se assume como protector, envolvendo nos seus braços a mulher que só podemos supor ser a amada. A sensualidade que se desprende do corpo masculino e o desenho enigmático nas suas costas, tudo nos indica que existe uma história por detrás desta ilustração que vale a pena ser lida e ouvida.

E de facto, The Fountain parte de um argumento de Darren Aronofsky, realizador dos perturbantes Pi e Requiem for a Dream. Incialmente concebido como um filme, Aronofsky desistira do projecto por não reunir condições suficientes, e então entregou nas mãos do artista Kent Williams a adaptação da história para uma novela gráfica, The Fountain. A boa notícia é que o filme sempre obteve luz verde para arrancar e irá estrear no final deste ano com a participação de Hugh Jackman e Rachel Weisz.

What if a man could live forever? É esse o ponto de partida do argumento de The Fountain que promete ser uma das mais intensas experiências cinematográficas deste ano (provavelmente só estreia em Portugal em Janeiro/Fevereiro de 2007).

Uma história de amor que transcende o tempo e a morte, mas poderão estas palavras redutoras e um tanto ou quanto banais representar a odisseia espiritual deste filme? É preferível deixar as palavras de lado para algo que só poderá ser muito melhor apreciado quando visto. Ambos os trailers já disponíveis têm criado expectativas elevadas. Por mim, sei apenas que a espera será dolorosa. Promete ser o filme fantástico do ano, transcendendo todos esses rótulos e afirmar-se como uma visão singular e deslumbrante que irá permanecer na memória por muitos anos.

Darren Aronofsky já tem vindo a ser reconhecido como um artista, e The Fountain parece estar a caminhar bem para consolidar ainda mais a sua reputação como um dos mais refrescantes e originais cineastas da actualidade.

Site oficial de The Fountain

Permalink Leave a Comment

Porco Rosso

August 10, 2006 at 10:20 am (Cinema e TV)

Em 1992, os estúdios Ghibli lançaram uma nova animação sob mestria de Hayao Miyazaki, Porco Rosso, a história de um piloto da Grande Guerra, Marco Peggot. Desconhecemos a razão porque tem cara de porco e corpo de homem, mas é um facto que fê-lo ganhar o nome de Porco Rosso. Nos anos que se seguiram ao cessar das hostilidades, dissocia-se do fascismo ascendente na Itália (melhor ser um porco do que um fascista) e passa a viver por conta própria, em caça de piratas do ar e mar no Adriático.

PorcoRosso

A sua reputação fá-lo ganhar a inimizade de muitos piratas que decidem contratar um piloto americano, Donald Curtiss, para derrotar e humilhar Porco Rosso. Como consequência, Porco numa disputa aérea vê o seu avião arruinado e é forçado a viajar a Milão, incógnito, de modo a reparar o avião na oficina de Piccolo. É então que trava conhecimento com Fio, a neta de Piccolo, uma engenheira talentosa que se compromete com Porco e irá fazer tudo para auxiliá-lo na sua disputa com Curtiss.

Em contraponto a Fio, temos Gina, uma mulher muito reminiscente das cantoras de cabarets durante os tempos da guerra. Possuidora de uma incrível maturidade e perfeição, Gina tem uma grande afeição por Porco, o seu amigo de infância e por quem sempre nutriu um grande amor. Casada por três vezes, todos os seus maridos morreram durante a guerra. Através de Gina, podemos vislumbrar toda a profundidade de sentimentos na sua relação com Marco; arrependimento, perda, amor, afecto.

Mas o momento mais fascinante do filme será talvez na primeira noite de Fio na ilha de Porco quando o piloto perde-se nas reminiscências do seu passado e é em parte explicada a sua transformação. É uma invocação maravilhosa em que Marco testemunha a perda de todos os seus camaradas numa batalha aérea. Incapaz de voar mais, rende-se à exaustão, mas o avião continua a planar até sobrevoar por cima de uma planície de nuvens e então o piloto assiste ao estranho e perturbante fenómeno em que todos os seus camaradas de guerra e inimigos sobrevoam em harmonia, numa grande congregação, em direcção ao céu. Todavia, a hora de Marco ainda não tinha chegado.

Miyazaki impressionado com os contos de Roald Dahl, um piloto da II Guerra Mundial e também autor infanto-juvenil, de quem era um grande admirador, e especialmente impressionado com o conto They Shall Not Grow Old, homenageia as vidas dos pilotos perdidas em combate através dessa visão de Marco.

Desiludido e amargurado por tantas mortes a uma causa que começara a questionar, Marco perde a sua humanidade e transforma-se num porco. Mas é através da inocência e pureza de Fio que revive e acredita de novo que nem tudo no mundo está perdido, mesmo com o advento da Depressão e uma nova guerra no horizonte.

É curioso constatar como a personagem de Fio é tão semelhante em termos fisícos a uma outra personagem feminina muito próxima do coração de Miyazaki, Nausicaa. Apenas alguém como ela poderia desvanecer as sombras da existência de Marco e restaurá-lo à vida, esquecido todo o ódio e desilusão. As palavras do próprio Miyazaki são também reveladoras acerca das suas intenções:

This film was made for middle-aged men who in their youth dreamed of a pure life, faithful to their principles, but who, little by little, are transformed into ‘pigs’ through the pressures of working like madmen. Despite their intention to reject merely mercenary goals, they are drawn into the world of hyper-consumerism, and when they look for the purpose of their lives, they feel themselves alienated…these men live in solitude and regret.

Porco percorre um caminho, não de auto-descoberta, mas de redescoberta de um “eu” que tinha perdido e que é redimido através do amor e a amizade.

Os filmes de Miyazaki trazem sempre esperança e uma luz animadora a um mundo que caminha, nas suas palavras, para a destruição. Ao ler uma entrevista recente ao realizador, espantou-me como estava tão convencido que o mundo como o conhecíamos chegaria inevitavelmente ao fim e, ainda assim, continuava a realizar estas animações, apesar de todas as angústias que sente.

Permalink 1 Comment

Carnivàle

August 4, 2006 at 7:29 pm (Cinema e TV)

carnivale

Before the beginning, after the great war between Heaven and Hell, God created the Earth and gave dominion over it to the crafty ape he called man. And to each generation was born a creature of light and a creature of darkness. And great armies clashed by night in the ancient war between good and evil. There was magic then, nobility, and unimaginable cruelty. And so it was until the day that a false sun exploded over Trinity, and man forever traded away wonder for reason.

É com estas linhas reveladoras que abre o episódio piloto de Carnivàle, série da HBO, um meio-termo entre adaptação histórica e série de tons sobrenaturais.

Situada nos anos 30, na América, no período da Grande Depressão, encontramos um circo ambulante liderado por um anão de nome Samson (Kevin J. Anderson). É um período em que a América não só se encontra afligida pelo colapso económico e desemprego, mas grandes tempestades de poeira atingem vários estados americanos, forçando a um enorme êxodo rural e à deslocação de milhares de americanos, despojados, e acometidos por doença e pobreza extrema. Um tempo que ficou conhecido por Dust Bowl.

O Carnivàle vai de região em região, tentando trazer aos habitantes locais distracção e divertimento, despertá-los do estado de letargia e depressão. O circo é o albergue de estranhos indivíduos considerados marginais por uma qualquer anomalia. Encontraram uma casa e um modo de vida, e acima de tudo, uma pequena comunidade onde cada um é bem-vindo e aceite. Até que um dia, o circuito do Carnivàle encontra no seu caminho um adolescente rapaz que está a tentar enterrar a mãe, sob a ameaça de um tractor que quer derrubar a sua pequena casa. No meio do ambiente agreste e dos constantes turbilhões de pó, o circo salva a vida do adolescente, um foragido criminoso, mas acima de tudo, alguém que irá mudar a vida de todos os presentes.

Desde o início da história que pressentimos que forças enigmáticas rodeiam a figura do rapaz adolescente de nome Ben Hawkins (Nick Stahl). A sua mãe temia-o e recusou ser tocada por ele no seu leito de morte, marcando-o com o nome de Besta. Ele próprio, atormentado por rejeição e um medo mortal de hell and damnation, reprime quaisquer que sejam os seus poderes.

Samson oferece-lhe um emprego, recebendo ordens superiores de uma entidade que desconhecemos absolutamente, chamada como Management, alguém com os seus próprios objectivos em relação ao rapaz. Ben, então, começa o lento processo de integração na comunidade do qual se destacam figuras como Clayton Jones ou Jonesy, antigo jogador de baseball lesionado na perna, Sofie, a vidente que lê cartas de Tarot, e tem uma ligação telepática com a mãe, Apollonia, em estado catatónico. O casal Felix Dreifuss e Rita Sue, com duas filhas que realizam espectáculos de strip-tease. O professor mentalista Lodz e a mulher com barba, Lila. Ruthie, a mulher das cobras. E o já referido Samson, o anão, o líder do grupo.

Em paralelo com a história do circo e Ben Hawkins, somos levados para um outro local da América, uma pequena localidade liderada pelo padre Justin Crowe (Clancy Brown), sempre acompanhado pela irmã Iris Crowe.

O padre Justin tem conhecimento dos inúmeros deslocados e da degradação causada pelo Dust Bowl e a Grande Depressão. Convencido que recebeu um chamamento de Deus, ele tenta persuadir os locais a abrir as portas da Igreja para todos os necessitados, mas o preconceito e intolerância intrometem-se no caminho da missão nobre de Justin. É uma figura extremamente ambígua, pois embora constantemente reafirme o seu desejo de fazer o bem, acaba por envolver todos os que o rodeiam num manto de trevas. Ele também é afligido por acontecimentos sobrenaturais e nos seus sonhos e visões surge sempre Ben.

Ao longo de 12 brilhantes episódios (especialmente os primeiros seis), observamos a evolução de um confronto não apenas local, mas que toma as proporções míticas da antiga batalha entre a luz e as trevas, não totalmente antagónicas, mas antes complementares e, por vezes, elementos da luz confundem-se e tomam o lugar de elementos das trevas. Episódios particularmente bons foram o da cidade de Babilónia (com uma vénia perfeitamente adequada ao filme Intolerance de Griffith) onde tudo aponta para o ocorrer de uma grande tragédia e o episódio a seguir em que é realizada a justiça Carnivàle.

Mais do que um argumento em que se denota uma pesquisa histórica rigorosa, expõe uma questão muito pertinente, a necessidade de um salvador em tempos conturbados e desesperantes; quando Ben aceita participar num espectáculo como curandeiro, ele joga com as esperanças de um povo reduzido a farrapos numa terra desolada. E mesmo que Ben escolha conceder vida, ele deve fazê-lo consciente do equilíbrio precário entre a vida e morte, mas irá a religiosidade das pessoas aceitar esse dom tão contra-natura?

São muitas as questões interessantes levantadas por Carnivàle e foi bom constatar que o visionamento da primeira temporada encheu-me as medidas de uma forma que os filmes de cinema já há algum tempo não me conseguem totalmente satisfazer. A caixa encontra-se facilmente à venda na FNAC e ainda existe uma segunda temporada que termina o arco principal da história, embora deixe algumas questões por responder.

Mas veja-se Carnivàle mais não seja pela curiosa e original exposição de um tempo histórico drástico em que é simulada uma batalha entre forças não totalmente imunes, antes imersas, no sofrimento e desespero da terra.

Permalink 6 Comments

Who watches the Watchmen?

August 1, 2006 at 7:42 pm (Livros/BD/revistas, Strange Land)

Antes de começar a nova guerra do Médio Oriente, lia diariamente algumas páginas de Watchmen de Alan Moore. Para quem não conhece, trata-se de uma novela gráfica que lida com super-heróis de uma forma nunca antes vista. Nos anos 50, surge um grupo de justiceiros mascarados, crimebusters que não são retrados como personagens imaculadas ou livres de culpa; têm as suas próprias obsessões, vícios e defeitos. Mas depois veio Dr. Manhattan, um homem que, devido a um acidente nuclear, tornou-se numa entidade supra-humana, detentora de extraordinários poderes. Isso não impediu que uma nova geração de super-heróis surgisse nos anos 70 que participavam nas guerras da América até ao momento em que o grupo foi ilegalizado, tendo cada um deles prosseguido com as suas vidas.

watchmen

Este é meramente o background. A história no momento presente envolve uma conspiração que anda a eliminar os ex-heróis mascarados um por um, no momento em que o mundo se vê de novo sob ameaça de uma nova guerra mundial iniciada pelos soviéticos (a BD foi escrita nos anos 80 e os efeitos da Guerra Fria ainda se faziam sentir). Ainda falta-me cerca de 1/4 da novela gráfica para terminar, mas tem sido impressionante como sinto que a realidade de Watchmen poderia ser tão facilmente transposto para a nossa realidade actual. A população vive no medo de mais uma guerra, iniciada com a invasão do Afeganistão pela Rússia, e é palpável o sentimento de descontrolo e pânico que ameaça emergir e derrubar os velhos pilares de ordem e lei. À medida que se avança na leitura da BD, esboça-se um cenário de apocalipse iminente, e esse sentimento de perigo e desespero ameaça tomar controlo da sociedade americana, aparentemente desprovida de salvadores.

À medida que ia progredindo a leitura, chegavam, ao mesmo tempo, as notícias diárias dos bombardeamentos israelitas, e não podia deixar de sentir como Alan Moore era um visionário. Embora não com total exactidão em relação aos protagonistas da guerra, foi capaz de prever a perversidade gradual dos princípios e valores que se foi cimentando na sociedade ocidental, em particular, na América. Transcrevo uma pequena citação do artigo de jornal fictício que surge no final do capítulo 8.

Similarly, during our perfectly justified retaliatory bombing of Beirut in 1979, there were many of our so-called-fair weather-friend European allies who were bleating about supposed infringements of international law. Yet what are laws made for, if not to serve mankind? And if those laws, through unforeseen circumstance become no longer applicable, is it not more noble to follow the course of right and justice; to serve the spirit of the law rather than its every dot and comma? In my book, anyone answering that question in the negative is someone without the moral backbone to call himself an American.

Aparte o contexto da história em que esta frase é dita, este pequeno excerto prenuncia a postura perniciosa que iria marcar a política externa e interna americana (nem falta a ironia de Beirute a ser bombardeada) dos nossos tempos. Ao declararem seguir o nobre caminho da justiça e pretenderem emendar os males do mundo, esquecem-se de que, esta atitude aparentemente democrática e civilizada, corre o risco de se deturpar por completo, quanto mais deturpados forem os valores e princípios que regem as cabeças pensantes e não-pensantes da sociedade americana. Imagine-se se algum dia o presidente americano fosse um cristão fundamentalista, rodeado por uma corja incompetente e ignorante desses mesmos cristãos que exercem sem qualquer remorso censura nos media e instauram uma política dita humanitária, mas que no fundo vem-se assemelhando cada vez mais ao estado Orwelliano do livro 1984 .

Não seriam os valores morais desse governo prejudiciais na medida em que longe de terem como objectivo to serve mankind, afundariam o mundo numa série de guerras que quebram todas as leis e, inevitavelmente, conduzir a outro conflito de proporções mundiais?

Infelizmente, exactamente como os super-heróis criados por Moore, os presidentes americanos não são seres desprovidos de falhas morais. Têm as suas próprias psicoses, obsessões, interesses, e dificilmente podem representar a civilização moral como deveria ser. Raramente servem o espírito da lei, embora induzam as mentes mais incautas a julgarem isso. A pergunta essencial permanece, Who watches the Watchmen, essas entidades responsáveis pela vigilância da nossa conduta moral?

Watchmen tem a vantagem de ter os seus próprios messias interessados em manter algum semblante de ordem e progresso. Messias com falhas, é certo, mas ainda assim, Dr. Manhattan representa o super-homem de quem a sociedade espera a salvação. O nosso mundo nem isso tem sequer.

Tornou-se um mundo deprimente, embora os confortos de uma sociedade, dita do primeiro mundo, possam ocultar isso momentamente. Pequenas esperanças não escondem facilmente o grande esquema das coisas em que uma vida já não tem o mesmo valor que outra. Sem nenhuma forte liderança com o minímo de bom senso, sem nenhum grande homem sábio saído de lendas antigas, sem nenhum messias, tornámo-nos tão cegos como os cegos em Ensaio Sobre a Cegueira de Saramago. Lutando pela sobrevivência apenas, tentando evitar que as calças se arrastem pela sujidade no chão. Quem irá salvar estas pessoas da escuridão?

A uma dada altura, em Watchmen, uma das personagens diz:

Whoever we are, wherever we reside, we exist upon the whim of murderers.

Assassinos de todas as facções radicais, tornando o coração do mundo a cada dia mais negro, mais desesperante, até que as batidas cessem. E as vozes moderadas são completamente despedaçadas e atiradas ao vento perante a violência e hostilidade desta época histórica em que vivemos.

Permalink 4 Comments