Vale de Sombras

October 26, 2006 at 12:06 pm (Livros/BD/revistas, Strange Land)

Já foi anunciado em outros locais, por isso, não será notícia em primeira mão.

Vou publicar o meu primeiro conto na antologia A Sombra Sobre Lisboa editada pela Saída de Emergência. Um conjuntos de contos inspirados pelo universo de H. P. Lovecraft, com uma única condição imposta pelo editor: Lisboa teria que ser obrigatoriamente o cenário escolhido.

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Fui convidada para a antologia há cerca de um ano, pouco depois do final do Fórum Fantástico 2005. Então começou um trabalho de pesquisa sobre Lisboa na era visigótica que demorou cerca de duas a três semanas. Se por um lado a informação era escassa e não muito pormenorizada, por outro lado, isso favoreceu a génese do conto. Uma época obscura favorecia a introdução de elementos fantásticos.

A época em que se desenrola o meu conto é por altura do declínio do reinado Visigótico em Hispânia. Se me perguntarem qual o tema, eu diria que, no fundo, se trata de intolerância religiosa. Um tema que confesso surgiu de forma muito inconsciente e instintiva. Três culturas distintas entrecruzam-se e chocam, afectando a vida da cidade de formas diferentes. Até agora, o feedback em relação ao conto foi positivo e espero que continue assim.

O artista e designer Miguel Vieira realizou uma ilustração do meu conto que não irei divulgar aqui, mas que me deixou bastante feliz. Pensou que captou muito bem a ambiência das últimas páginas do conto.

Para algum desconcerto meu, sou a única representante do sexo feminino, mas para compensar estou em excelente companhia. A antologia irá incluir contos de António de Macedo, David Soares, Fernando Ribeiro, João Barreiros, João Henrique Pinto, João Seixas, João Ventura, José Manuel Lopes, Luís Filipe Silva, Rhys Hughes, Rogério Ribeiro, Vasco Curado, Yves Robert, complementados com ilustrações do artista e designer Miguel Vieira.

A capa do livro já foi revelada no blogue do Fórum Fantástico, evento onde a antologia será lançada no dia 18 de Novembro, da parte da tarde.

Deixo-vos aqui um pequeno excerto do Vale de Sombras. Espero que gostem!

― Ainda está vivo?
― Por pouco tempo. Ainda respira, mas deixou de responder aos chamamentos.
Os dois homens conferenciavam num dialecto cerrado do latim vulgar, em torno de uma figura prostrada no canto de uma cela escura.
O homem que colocara a pergunta olhou para o monte de ruínas no chão, envolto numa nuvem de poeira, sujidade e o cheiro fétido de urina e excrementos, que assaltavam os seus sentidos com uma força tremenda. A débil luz das velas que transportavam não era suficiente para dissipar a escuridão da prisão subterrânea e talvez ambos os homens preferissem não ver as últimas réstias de um corpo a apodrecer no meio do ruído triunfante das presas de ratazanas.
― Este está feito. Removam o corpo da cela e lancem-no numa das valas do bosque. Isso deverá ser o suficiente para lhe arrancar o que lhe resta de vida. Já tens a cela que precisas para os novos prisioneiros.
Não se atrevia a aproximar o suficiente do corpo em decomposição, nem tão só tocar na figura inanimada, o rosto coberto pelos últimos andrajos de uma capa de viagem.
― Agora vamos embora antes que o cheiro me faça vomitar as entranhas.
O carcereiro anuiu de todo o coração, não querendo confessar ao Intendente que o seu desejo de sair daquele antro se devia mais a um medo supersticioso do homem moribundo e da sua terra com histórias de maldições libertadas na hora da morte. Era o carcereiro, não aquele que o sentenciara, e não queria ser o alvo da vingança de um condenado.
Ambos saíram para o exterior, subindo os velhos degraus de pedra da prisão, assombrada por centenas de gritos de almas emparedadas naquele espaço onde foram esquecidas.
Mas uma alma recusava-se a ser esquecida, e na escuridão em que fora de novo abandonada, lutava com todas as suas forças para sobreviver contra demónios que jogavam com a sua sanidade e a iludiam com falsas esperanças. Resistia contra a horda de bestas que atormentavam os seus dias e noites porque na ferocidade da sua determinação prevalecia apenas uma imagem, as estrelas do oriente no céu nocturno rodeando uma lua crescente, e no fulgor dessa visão, o homem moribundo soube que estava para breve a vinda dos seus irmãos.

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His Majesty’s Dragon de Naomi Novik

October 21, 2006 at 10:00 am (Livros/BD/revistas)

A série Temeraire de Naomi Novak escalou para a fama após o anúncio recente da compra dos direitos de autor por nada menos do que o novo guru de filmes de fantasia, Peter Jackson. E a curiosidade de muitos levou inevitavelmente a que os livros se tornassem o centro de atenções.

Naomi Novik, natural de Nova Iorque, ainda se encontra a escrever a série e prepara-se para lançar o 4º volume, a continuação de His Majesty’s Dragon, Throne of Jade e Black Powder War.

Uma combinação explosiva de ficção histórica com fantasia, Novik explora o cenário das Guerras Napoleónicas e cria no seu meio uma força de dragões pilotada por aviadores britânicos, determinados a lutar contra Napoleão e impedir o avanço do seu exército.

Desde a primeira página, o leitor é lançado para o meio da acção. Will Laurence, um capitão de navio de guerra, ao serviço da Armada britânica, acaba de capturar e abordar uma fragata francesa. No porão, encontra um ovo de dragão prestes a eclodir o que implica um oceano de problemas para si e a sua tripulação. Dragões nesta histórias são criaturas preciosas que precisam de criar uma ligação com o seu aviador desde o momento que saem do ovo, mas no meio do mar, longe da terra, não têm forma de lidar com o nascimento iminente do dragão da forma mais adequada possível.

Laurence acaba por se ver envolvido em circunstâncias que não consegue controlar e quando o dragão nasce e o escolhe a ele, não tem outra escolha senão sacrificar a sua carreira e ambições e adoptar a vida solitária de um aviador. Mas gradualmente começa a aperceber-se da inteligência e graciosidade do dragão negro que baptizou de Temeraire.

Apanhados em circunstâncias difíceis na guerra com Napoleão, são forçados a viajar para a Escócia onde se irão integrar na Academia de aviadores e aprender a combater contra os dragões do inimigo francês. Certamente uma das qualidades de Naomi Novik é levar o leitor a descobrir num passo de cada vez como os dragões comportam-se e interagem entre eles e, especialmente, com os homens.

Em cada capítulo, descobrimos com Laurence as capacidades de Temeraire, a sua força e destreza que o coloca como superior entre os da sua espécie. E juntamente com Laurence, rendemo-nos à crescente admiração pelo dragão que retribui afecto de forma incondicional. Cedo ambos irão ser testados e receber o baptismo de fogo, mas não sem que antes cedam ao ambiente de camaradagem e união que se estabelece entre os aviadores em tempo de guerra.

A narrativa nunca perde fôlego e mantém sempre o mesmo ritmo trepidante até à última página. Não faltam os ingredientes habituais: traição, batalhas e estratégia militar, amor mas arrisco-me a dizer que os dragões de Novik são o melhor que o livro tem para oferecer, especialmente Temeraire, um dragão que aprecia que lhe leiam Laplace e Bacon antes de dormir.

Novik mantém suspense suficiente sobre Temeraire ao longo da narrativa, escondendo todo o seu potencial, de modo a manter o leitor preso até à última página onde Temeraire ir-se-á revelar como o maior trunfo na possessão das forças britânicas, tornando-o o bem mais precioso de Inglaterra.

Uma escrita ligeira, mas consistente e credível, tornou esta série de história alternativa um vencedor comercialmente bem sucedido dentro do género. Agora, sob a égide de Peter Jackson, Temeraire e Laurence irão voar mais alto do que nunca, não devendo permanecer durante muito mais tempo inéditos em Portugal.

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A história de um assassino

October 17, 2006 at 10:33 am (Cinema e TV, Livros/BD/revistas)

O Perfume, História de um Assassino de Patrick Süskind é seguramente um dos romances que mais fez sensação na década de 90. O autor não se revelou muito prolífico após essa obra, mas não precisava. Já tinha transformado a cena literária e a virado de avesso com esta história extraordinária de um assassino obcecado pela busca do odor perfeito.

Na França do séc. XVIII, nasce uma criança no cenário mais miserável possível, no meio de pobreza extrema, e estaria destinado a tornar-se um homem que se inseriu entre os personagens mais geniais e mais abomináveis desta época que, porém, não escasseou em personagens geniais e abomináveis.

A história de Patrick Süskind incendiou a imaginação de muitos realizadores que a professaram como impossível de recriar em cinema. E de facto, a proeza de Süskind consiste em evocar com um extraordinário rigor os cheiros e torná-los as personagens principais na vida de Jean-Baptiste Grenouille. Uma viagem profundamente emocional, induzida pelo sentido do olfacto, mas mais do que isso, um devastador julgamento moral do horror que se esconde no coração da civilização.

Através de uma criatura amoral como Grenouille, sentimos a sua condição marginal, o seu ódio visceral pela Humanidade que tanto deseja subjugar e conquistar, a sua obsessão por um ideal que, embora o alcance, está impossibilitado de lhe trazer qualquer satisfação.

Este história de bizarro e horror foi finalmente adaptada para cinema por Tom Tykwer (Run Lola Run) e as primeiras impressões, a julgar pelo trailer, são excelentes. O primeiro teaser trailer que fora lançado há vários meses já deixava adivinhar uma forte atmosfera de terror, não revelando muito mais.

No trailer destaca-se o rigor histórico da adaptação, essencial para um livro tão bem pesquisado e, eu diria, quase erudito, como O Perfume, com uma aparente fidelidadade à narrativa do livro, o que não é nenhum feito menor tendo em conta as inúmeras cenas perturbantes. Temos também a perseguição dos cheiros por Grenouille, reproduzidos através de close-ups ao nariz ou ao rosto quase extasiado da personagem.

O que mais me impressionou terá sido a cena final em que Grenouille ludibria a multidão, houve uma certa estética e teatralidade na cena que me agradou. E temos também o óbvio talento do britânico Ben Whishaw, totamente imerso na personagem. O elenco secundário parece também não ser de menosprezar, com os veteranos Alan Rickman e Dustin Hoffman.

O filme mais caro da história alemã, O Perfume, a História de um Assassino estreou a 14 de Setembro com crítica favoráveis, mas ainda permanece sem estreia prevista para Portugal. Definitivamente a ter em atenção.

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Work in progress

October 10, 2006 at 2:44 pm (Strange Land)

Só uma nota de passagem para referir que agora me encontro a participar mais no blogue “ao lado”, o do Fórum Fantástico 2006.

Os últimos dois meses antes do evento costumam ser apocalípticos. Há que escrever muitos textos, press-releases, preparar as biografias dos convidados e divulgá-los por todo o lado. As pessoas têm que ser constantemente relembradas e abanadas ou esquecem-se de nós. Claro que no meio disto tudo reproveitam-se muitos textos que ficaram do ano passado o que de, certa forma, tem sido um alívio.

Mas há mails a enviar, mails a responder a questões colocadas, mails dos quais espero uma resposta que tarda em chegar e até mails que tenho demorado a escrever (ou esquecer!).

O work in progress de organização de uma convenção poderia ser uma coisa incrivelmente deprimente e exaustiva se por acaso o núcleo da organização se desse mal. Felizmente que eu e o Rogério sempre trabalhámos bem um com o outro (mandaste o mail? não, mas mando já! Não te esqueças de telefonar ao outro senhor! Sim, sim, esta tarde, e este tipo de conversa prolonga-se durante dias e dias… ). Chega a haver alturas em que as cabeças estão em perfeita sintonia uma com a outra o que permite haver muito poucos desacordos entre nós.

Felizmente que as pessoas que estão connosco nisto têm colaborado e ajudado em imensos níveis. Os sócios, os editores, os escritores, os designers e ilustradores, os jornalistas, todos numa combinação que permite que o Fórum Fantástico ganhe forma e consistência.

Desenganem-se se pensam que este ano está a ser mais fácil. PORQUE NÃO ESTÁ! Este ano tem sido um teste à nossa perserverança e determinação em ir em frente a qualquer custo. Posso dizer que o que mais nos custa no meio de tudo são as aprovações ou confirmações pendentes, inviabilizando um compromisso ou divulgação da nossa parte até que tudo esteja confirmado.

De qualquer modo, o blogue do fórum agora tem-se mostrado activo e as novidades mais suculentas irão começar a chegar. Hoje mesmo, se tudo correr bem, divulgarei um dos cabeças de cartaz (este ano são dois).

E pronto, só uma mensagem para vos avisar do que me tem ocupado a atenção nos últimos tempos. Daqui até 19 de Novembro, é uma maravilha de preocupações e stress. Daí que tenhamos tido o cuidado de organizar uma programação com mais pausas este ano; o público agradece e nós descansamos mais.

Não se esqueçam de anotar! De 16 a 19 de Novembro, Fórum Fantástico 2006.

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